quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Para a Estrela.

Andava na chuva, a saia erguida com a mão. Não era frio, mas também não era calor. O cabelo era molhado. Sentia a dor: as roupas amarelas, o brilho. Mais um ponto, uma linha outra cor, e ali ao lado ficava faltando uma ponta.
Eu não saberia mais o que dizer. E eis o que improvisei:

"Nos velórios da minha vida sempre chove. É assim, fim e começo. Alterando a ordem as coisas passam a parecer um simples jogo de palavras.
Quando eu escrevo (e consigo Eu escrever) é como se pudesse fazer a música da hora: carros, assovios ao longe, vozes, som das bolhas de refrigerante (no chão, do lado direito), a chuva e tudo o mais (que é o silêncio). A espera acabou, e tudo é hoje e agora.
Agora de novo.
Depois do sono mudança, viajem (e as saudades, de novo e sempre), músicas e pessoas e todas as coisas novas e velhas.
Sempre chove nos velórios da minha vida".

Agora (no amanhã do ontem) faz sol.
Casam-se as raposas.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

O custo da constância...

"À hora violácea, quando os olhos e as costas

Às mesas de trabalho renunciam, quando a máquina humana

aguarda

Como um trepidante táxi à espera,

Eu, Tirésias, embora cego, palpitando entre duas vidas,

Um velho com as tetas engelhadas, posso ver,

Nessa hora violácea, o momento crepuscular que luta

Rumo ao lar, e que do mar devolve o marinheiro à sua casa;

A datilógrafa que ao lar regressa à hora do chá,

Recolhe as sobras do café da manhã, acende

O fogareiro e improvisa seu jantar em latas de conserva.

Suspensas perigosamente na janela, suas combinações

Secam ao toque dos últimos raios solares.

Sobre o divã (à noite, sua cama) empilham-se

Meias, chinelos, batas e sutiãs.

Eu, Tirésias, um velho de enrugadas tetas,

Percebo a cena e antevejo o resto.

- Também eu aguardava o esperado convidado.

Chega então um rapaz com marcas de bexiga,

Um insignificante balconista de olhar atrevido,

Um desses tipos à-toa em que a arrogância assenta tão bem

Quanto a cartola na cabeça de um milionário de Bradford.

O momento é agora propício, ele calcula,

O jantar acabou, ela está exausta e entediada.

Ele procura então envolvê-la em suas carícias

Não de todo repelidas, mas tampouco desejadas.

Excitado e resoluto, ele afinal investe.

Mãos aventureiras não encontram resistência;

Sua vaidade dispensa resposta,

E faz da indiferença uma dádiva.

(E eu, Tirésias, que já sofrera tudo

O que nessa cama ou divã fora encenado,

Eu, que ao pé dos muros de Tebas me sentei

E caminhei por entre os mortos mais sepultos.)

Ao despedir-se, concede-lhe o rapaz um beijo protetor

E desce a escada escura, tateando o seu caminho . . .

Ela volta e mira-se por um instante no espelho,

Quase esquecida do amante que se foi;

No cérebro vagueia-lhe um difuso pensamento:

"Bem, já terminou; e muito me alegra sabê-lo."

Quando uma bela mulher se permite um pecadilho

E depois pelo seu quarto ainda passeia, sozinha,

Ela a mão deita aos cabelos em automático gesto

E põe um disco na vitrola."

T.S. Eliot, A Terra Desolada

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Hoje, que é dia de Iemanjá, e o segundo dos dobrados - 01/01, 02/02

"Eu faço festa, eu taco fogo, que não nego não
Eu te regalo e me fresqueio,
com meu olho te como ao meio..."

Bom, daí eu ia pegar o primeiro avião barato que parecesse pela frente.
Daí, até chegar aquela morena, meio grega meio não, que se punha a me olhar.
A me olhar, e a me ver, ali, nuzinho, sem música nenhuma.
E ela soberana. Soberana e sozinha.
The song? Nanã, de um outro volume do mesmo de ontem.

Depois ganhou a rua e sumiu. Dela ficou o "oh", e o moreno aqui do lado, doido e eriçado também.
Dizem que enquanto esperava escrevia, e tinham podido ler algumas palavras: "corpos - nus- de jovens é que eu gosto."

Câmbio e desligo!

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